O aumento do endividamento traz novos riscos para o sistema financeiro nacional, diz Celina Vansetti, analista-chefe de rating de bancos da Moody’s para América Latina. Segundo ela, a classe D que está se transformando em C ainda não foi "testada como tomadora de crédito" no Brasil e poderia trazer inadimplência inesperada se a crise na Europa vier a impactar de forma abrupta o crescimento econômico no Brasil, trazendo desemprego.
"Se o crescimento do crédito for excessivo, há agora uma maior possibilidade de criação de bolhas de ativos pouco sadios", diz ela. Segundo Celina Vansetti, os bancos estão oferecendo linhas bem menos seguras do que o crédito consignado e o crédito com garantias, como o de veículos, nos quais é possível retomar o bem na hipótese de não pagamento.
O crédito imobiliário, de prazos especialmente longos, pode trazer riscos ao sistema. Mas a ampliação do uso do cartão de crédito por essa classe emergente é que envolve especial risco, avalia a analista.
Segundo ela, a "primeira" grande expansão no crédito para pessoa física no país, que começou em 2003, se deu por meio das modalidades consideradas mais seguras, que foram testadas durante a crise de 2008. O consignado, especialmente, se mostrou com baixa inadimplência, mesmo em um ambiente de súbito aumento do desemprego.
Os bancos com essas carteiras conseguiram vendê-las no mercado secundário com facilidade para outros bancos e dessa forma captaram recursos. Em dezembro de 2009, o crédito representava 45% do Produto Interno Bruto, contra 25% do PIB em 2003. Hoje o consignado representa 60% do crédito para a pessoa física.
Daqui para a frente, o principal foco dos bancos grandes é outro, diz ela. "O crédito sem garantia e de prazos longos a essa classe emergente expõe o sistema financeiro a novos desafios", diz.
Para Celina Vansetti, a concorrência crescente pode reduzir a "disciplina na geração de crédito" e fazer com que "ativos cresçam de qualquer maneira", sem aumento das provisões que seriam possivelmente necessárias.
Os bancos privados, segundo ela, farão muito esforço para tentar recuperar sua fatia de mercado perdida para os bancos públicos durante a crise. Segundo a Moody’s, em abril os bancos privados tinham uma fatia de 58,5% do mercado de empréstimos, uma queda em comparação com os 63,2% do final de dezembro de 2008. Para ganhar espaço, os bancos terão de comprimir margens em um momento de alta de juros e podem passar a ser mais lenientes no crédito.
O risco, no seu entender, não é imediato. "O perigo é mais para algo daqui a 12 ou 18 meses, quando vamos perceber todos os impactos macroeconômicos da crise européia no Brasil", afirma.
Para ela, qualquer choque externo poderia trazer uma dinâmica de instabilidade ou até mesmo "um susto". "A incerteza sobre essa nova classe que passou a ter acesso ao crédito ainda é grande", conta. "Não se sabe como eles vão efetivamente se comportar em meio a uma crise, ainda mais considerando-se que o seu poder de alavancagem não é tão grande assim", diz.
Ela conta que em setembro de 2007 a inadimplência no cartão de crédito no México chegou a 16% no Bancomex, contaminando outros tipos de crédito antes considerados mais seguros. "Vamos avaliar como a classe emergente vai gerenciar suas dívidas no Brasil, principalmente essas de mais longo prazo", diz.
Segundo ela, por enquanto nem mesmo o Banco Central tem dados ou estatísticas a respeito, justamente por causa da novidade da participação dessa classe no sistema. Ele diz, no entanto, que o comprometimento da renda disponível com dívida já atingiu níveis elevados no Brasil, de 22%, só compatível com a Austrália.
Nos Estados Unidos, onde esse comprometimento é elevado, vai a 15%. Na média, vai de 13% a 18%. Segundo a Moody’s, a classe emergente é inexperiente no crédito, tem níveis educacionais mais baixos e é mais vulnerável ao desemprego. O maior número de tomadores, por outro lado, permite diluição no risco dos bancos.
Já o crédito para pessoa jurídica no primeiro trimestre do ano teve expansão tímida, de 10% anualizados. "Até os bancos esperavam bem mais do que isso, ainda mais depois da retração verificada em 2008", diz. "Parece que a demanda não corresponde ao esperado."
Além disso, segundo ela, os derivativos de câmbio fechados entre bancos e clientes não trazem mais tanta alavancagem como em 2006, 2007 e 2008, o que reduz os perigos para o sistema financeiro, segundo ela. "A liquidez também está ampla no Brasil e não é um problema", afirma.
De uma forma geral, segundo ela, os bancos brasileiros se saíram bem na crise da Europa, avalia. A maioria manteve sua classificação de risco de crédito nos últimos 18 meses, o que em termos relativos coloca esses bancos em posições mais favoráveis em relação aos seus parceiros globais.