O cancelamento de cerca de cinco mil matrículas de imóveis rurais no Pará, determinado no dia 19 de agosto pelo Conselho Nacional de Justiça, jogou no colo de três instituições oficiais de crédito – Banco do Brasil, Banco da Amazônia e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – uma bomba de alto teor explosivo.
Trata-se de débitos, oriundos das atividades daquelas instituições nas últimas duas décadas, relativas principalmente aos fundos constitucionais de desenvolvimento da Região Norte que, somados, poderiam chegar à casa de R$ 1 bilhão, segundo estimativas feitas por especialistas que atuam no mercado.
Essa montanha de dinheiro foi liberada como crédito mediante garantias hipotecárias de propriedades rurais, incluindo a terra e benfeitorias que agora simplesmente não existem mais, em decorrência da anulação e encerramento das matriculas dos imóveis pelo CNJ.
Formalmente, essas operações estavam de acordo com as normas bancárias. O problema passou a existir quando foi determinada pela Corregedoria do CNJ o cancelamento do registro imobiliário e o encerramento das matriculas desse imóveis, com as averbações, inclusive das garantias hipotecárias dos bancos, em ato sumário que, do dia para a noite, transformou o antigo proprietário em simples posseiro, na melhor das hipóteses. E pior: decretando, de forma abrupta e completamente inesperada, o fim da garantia hipotecária que permitiu ao banco realizar a operação.
A decisão foi tomada no dia 19 de agosto pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, atendendo a um pedido de providências da Procuradoria Geral do Estado do Pará, do Ministério Público Federal, do Iterpa, Incra e diversas ONGS, como a CPT – Comissão Pastoral da Terra, que subscreveram o pedido. Uma vez cancelado o registro do imóvel, conforme a determinação do corregedor, a pessoa física que tem a posse do imóvel ficou impedida de vendê-lo ou utilizá-lo como garantia em transações bancárias, impedimento que persistirá até que a situação da propriedade seja regularizada.
Dando cumprimento à decisão do CNJ, o Tribunal de Justiça do Estado, através da Corregedoria de Justiça das Comarcas do Interior, fez publicar na edição do dia 25 de agosto do Diário Oficial o provimento nº 002/2010. Por esse ato, assinado pela desembargadora Maria Rita Lima Xavier, corregedora de justiça das comarcas do interior, os cartórios de registro de imóveis terão prazo de 30 dias para cancelar todos os registros, encerrando as matrículas de imóveis rurais que se encontravam bloqueadas em decorrência do provimento nº 013/2006. O cancelamento se dará, conforme instrução da desembargadora, com as averbações necessárias em todos os atos e transferências subsequentes, encerrando-se a matrícula respectiva.
Advogados que atuam no setor, prestando assessoria a investidores rurais em suas operações junto ao sistema financeiro, informam que a concessão de crédito rural, pelos bancos, se dá normalmente mediante a apresentação de dois tipos de garantias – a hipotecária, envolvendo a própria área, e a pignoratícia, que implica a possível cessão do gado, da safra e eventualmente outros bens. Em alguns casos, os dois tipos de garantias são dados cumulativamente.
A supressão dessas garantias, decretada abruptamente e à revelia das partes interessadas, criou um imbróglio jurídico de difícil solução e resultados devastadores, já que diversos proprietários rurais atingidos temem também uma avalanche de invasões de propriedade, com o recrudescimento do conflito no campo, após as eleições de outubro próximo.
Aos bancos, conforme avaliam os advogados que atuam na área, só restam no quadro atual duas alternativas, ambas para lá de incertas. Uma, a substituição da garantia, o que vai depender obviamente da disponibilidade de algum outro bem de valor compatível por parte do devedor. Outra possibilidade seria a antecipação do vencimento. Mas ainda neste caso cabe perguntar: de que servirá antecipar o vencimento se o agora posseiro – ex-proprietário – não tiver dinheiro suficiente para quitar o débito?
ENTENDA CANCELAMENTO
No dia 19 de agosto o Conselho Nacional de Justiça atendeu pedido de providências da Procuradoria Geral do Estado do Pará, Ministério Público Federal, Iterpa, Incra, ONGS e a Comissão Pastoral da Terra, para cancelamento de cinco mil matrículas de imóveis rurais no Pará. Com isso, Basa, Banco do Brasil e BNDES ficaram sem as garantias para empréstimos ligados aos donos dessas propriedades.
>>Ordem é falar pouco sobre as garantias agora sem cobertura
Reuniões tensas e nervosas tem se realizado, nestes últimos dias, por executivos do Banco do Brasil e do Banco da Amazônia, por técnicos dos dois órgãos fundiários – INCRA, Iterpa – Procuradoria Geral do Estado e outros funcionários graduados do Estado. Um desses encontros, em clima pouco menos que eletrizante, ocorreu na sede do Iterpa, na última sexta-feira. No dia seguinte, nova reunião, desta feita na sede da Procuradoria Geral. Em todas, os participantes só conseguiram produzir discussões acaloradas, mas não encaminhar qualquer solução.
Outro aspecto interessante é que algumas autoridades, normalmente receptivas ao contato com os jornalistas, agora tratam de manter a imprensa à distância, sinalizando claramente a gravidade da situação. Uma pesada cortina de silêncio se arma em torno das discussões, que parecem produzir mais calor do que luz. O Banco do Brasil, por intermédio de sua assessoria, comunicou que não vai se pronunciar sobre o tema, adotando um procedimento comum em sua política interna quando se trata de assuntos que envolvem outras instituições.
O Banco da Amazônia, também através de sua assessoria, se mostrou um pouco mais comunicativo, mas sem abrir também a guarda sobre a existência de créditos hoje sem a cobertura de garantias. Um informe interno revelou que não foi feito ainda um levantamento completo acerca da existência de hipoteca sobre imóveis financiados que tiveram os títulos cancelados. “Entretanto, na contratação das operações de crédito rural são exigidos documentos comprobatórios da passagem do poder público para o privado, exigindo-se a apresentação da certidão da cadeia dominial completa emitida pelo respectivo cartório de registro de imóveis, com o objetivo de evitar problemas desse tipo”, Conforme revelou a sua assessoria, o Banco da Amazônia contratou, no período de 01/01/2010 a 30/06/2010, o valor de R$ 120,5 milhões no setor rural com recursos oriundos de todas as fontes.
As contratações de fomento, de 2007 a junho/2010 – período que cobre a gestão do atual presidente Abdias Junior – alcançam o valor de R$ 2,1 bilhões.
Os profissionais que atuam no mercado financeiro avaliam que o volume de créditos destituídos de garantia em poder do Banco do Brasil deve ser comparativamente muito menor que o do Banco da Amazônia. A explicação é de que o BB opera basicamente com crédito de custeio, que não envolve grandes cifras e tem prazo relativamente curto de amortização.
O problema maior, segundo os especialistas, está nas mãos do Banco da Amazônia, que opera com diversas linhas de crédito. Entre elas, o Fundo Constitucional do Norte, que chega a movimentar grandes somas, tem longo período de carência e prazos de amortização que por vezes vão se prolongando até por quinze a vinte anos. (Diário do Pará)