Por Frei Betto
O Plano Decenal de Energia prevê, como prioridade, até 2022, a construção de hidrelétricas. Hoje, o Brasil dispõe de 125 mil MW (megawatts). O Plano estabelece a incorporação de mais 60 mil MW, sendo 35 mil oriundas de 35 hidrelétricas de grande porte a serem construídas, e dezenas de PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas).
Tais empreendimentos atingirão, segundo o Governo Federal, 62 mil famílias. Tudo indica tratar-se de um número subestimado. Duas hidrelétricas, a de Marabá e a de Belo Monte, causarão transtornos para uma população numericamente maior. Hoje, em todo o Brasil, os atingidos por construções de barragens são calculados pelo MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) em 1 milhão de pessoas. E mais 250 mil serão afetadas pelas obras previstas no Plano Decenal, que prevê investimento de R$ 100 bilhões e o alagamento de 650 mil hectares. Cerca de 80% do potencial hídrico planejado será em rios da Amazônia: Tocantins, Xingu, Tapajós e Madeira.
O BNDES é a principal fonte de financiamento das usinas hidrelétricas. De 2002 a 2012, financiou cerca de 650 projetos, canalizando para as empresas algo em torno de R$ 200 bilhões. Para os atingidos por barragens – famílias expulsas de suas terras e domicílios para dar lugar às represas – restaram apenas migalhas assistencialistas.
O Relatório Nacional de Direitos Humanos, publicado em 2010, registra que, no Brasil, vigora um padrão de violação dos direitos dos atingidos por barragens: 16 direitos são sistematicamente desrespeitados quando se trata desse segmento da população.
Em julho de 2009, esta dívida social foi publicamente reconhecida pelo presidente Lula. Ainda assim, pouco se avançou. O MAB propôs ao governo criar um fundo para pagar aos atingidos o que é devido. Nada se fez até agora. No entanto, no último 13 de março o governo federal liberou R$ 13 bilhões para empresas estatais administradas pelo PSDB (Cesp, Copel, Cemig e Light) e empresas privadas (Duke, Suez Tractebel, AES, etc.) que vendem energia a R$ 822,83 o MW hora, enquanto as estatais federais vendem a R$ 33,00/MWh.
Dinheiro para as empresas não falta. Falta para promover justiça social e ressarcir as famílias expulsas de suas terras em nome do progresso.
O povo brasileiro vai pagar a conta dessa submissão do Governo Federal às empresas que mantêm energia a preço especulativo. Cerca de R$ 13 bilhões sairão do Tesouro Nacional, e tudo indica que outros R$ 8 bilhões serão repassados nas contas de luz da população, em futuros aumentos, após as eleições de outubro. Até lá, as empresas farão empréstimos a juros altíssimos junto ao capital financeiro internacional.
O MAB tem denunciado que, no interior do setor elétrico nacional, um conjunto de empresas privadas e outras sob governos tucanos promovem um golpe nas contas de luz, e que os futuros aumentos poderão ficar entre 18 e 31%. Esses aumentos seriam autorizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) às vésperas das eleições presidenciais – das 64 distribuidoras, 50 teriam o aumento autorizado entre abril e outubro.
Desde 2012, quando o Planalto anunciou redução nas tarifas, essas empresas não aceitaram a intervenção do governo para controlar os preços da energia elétrica e passaram a chantagear o governo e a população com as chamadas “crises” no setor elétrico, com ameaças de apagões etc.
Na renovação das concessões, no final de 2012, os cerca de 7.700 MW médios das hidrelétricas da estatal Eletrobrás, controladas pelo governo federal, passaram a vender sua energia a R$ 33,00/1.000 kW. Isso permitiu a redução da conta de luz da população.
No entanto, as empresas Cesp, Cemig e Copel, que possuíam cerca de 5.500 MW médios, recusaram a renovação das concessões. Não aceitaram reduzir o preço. Além disso, a Light (de propriedade da Cemig) e a Duke, que possuem outros 800 MW médios, também ficaram livres para vender sua energia a R$ 822, já que seus contratos de venda se encerraram entre 2012 e 2013.
É a energia dessas empresas que falta para as distribuidoras e, ao mesmo tempo, está disponível para as geradoras especular e cobrar R$ 822. É energia de hidrelétricas construídas há mais de 30 anos, todas já amortizadas, que poderia ser comercializada a R$ 33. Para justificar e esconder o golpe, alega-se, através de grandes meios de comunicação, que o custo é alto por culpa da falta de chuva e do acionamento de térmicas… Trata-se de uma grande mentira!
Como pode a hidrelétrica Luiz Carlos Barreto, de Furnas, localizada no Rio Grande, divisa entre MG e SP, vender energia a R$ 33,00/MWh e, 30 km abaixo, uma hidrelétrica (Jaguará) da Cemig cobrar R$ 822,83/MWh por uma energia gerada pela mesma água? Que aumento de custo tão grande teria ali? Térmica elas não são! E se fosse falta de chuva afetaria as duas usinas de forma igual. Não é melhor qualificar de golpe especulativo?
O governo, infelizmente, cede à chantagem dos especuladores. As empresas privadas e as administradas por governos tucanos, além de colocar R$ 21 bi no bolso, estão esvaziando os lagos para forçar aumentos nas contas de luz e, de quebra, gerar um grande desgaste político eleitoral ao Executivo Federal.
O que realmente está em jogo é o esforço para manter a alta taxa de exploração sobre os trabalhadores e sobre a população, através da manutenção das tarifas de energia elétrica em patamares internacionais. E, com isso, garantir aos acionistas e especuladores taxas de lucro extraordinárias.
É óbvia a origem desse golpe que se gestou no interior do setor elétrico nacional: a privatização do modelo energético nacional, hoje, controlado por empresas privadas.
Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.
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