Em mais um 1º de Maio, o trabalhador tem pouco ou quase nada a comemorar – e muito ou por quase tudo a lutar. Seja pelo persistente flagelo do desemprego, que voltou a crescer em plena “recuperação”(sic) econômica, como anunciou o IBGE no dia 27/04/2018– e com ele a dura realidade da miséria, que só aumenta e se consolida. Seja, para aqueles que possuem a estranha sorte de estar na máquina de moer do capital, pelas condições precárias de trabalho e o cotidiano de exploração, aguçados e ainda mais legitimados pela última reforma trabalhista.
Cem Flores*
Passados quase seis meses da entrada em vigor das brutais mudanças na CLT (Lei 13.467/17), faz-se necessário um balanço de curto prazo do seu impacto na luta da classe operária e dos demais trabalhadores contra o capital e seu Estado.
A nosso ver, retomar esse tema e análise é de suma importância. Como dissemos anteriormente – A Atual Reforma Trabalhista e a Luta de Classes no Brasil, 1ª (aqui) e 2ª (aqui) partes – esse foi o maior episódio de uma profunda reforma trabalhista demandada pela burguesia há muito tempo[iii]. Uma alteração de tal envergadura na regulamentação das relações de trabalho se mostra, claramente, e através de vários exemplos internacionais recentes, como uma importante e necessária reposta das classes dominantes e seu Estado à conjuntura de crise e visa melhorar/retomar as condições para acumulação dos capitais via aumento da exploração e da dominação de classe.
Nesse sentido, não se trata de forma alguma de fazermos uma análise jurídica, de sua “constitucionalidade” ou não (como pretende a esquerda reformista, nessa análise ou na da prisão de Lula). A análise fundamental a se fazer é de que modo essa ofensiva burguesa é efeito da luta de classes (em contexto de crise) e quais outros efeitos que ela gera e ainda pode gerar na luta dos trabalhadores. Ofensiva que se transforma e se codifica em leis, decisões judiciais, mas, apesar de importantes, não se resume a estas. E por isso, deve envolver uma análise política mais ampla. Dito de outra forma: deve-se evitar e combater a ideologia jurídica, mesmo que o objeto de análise seja uma “lei”.
Novos (e velhos) eventos sobre a reforma e sua resistência
A importância da continuidade do debate sobre a reforma trabalhista certamente é reforçada com o fim do prazo de validade da Medida Provisória 808, no dia 23/04/2018. Essa MP ocorreu através de uma barganha entre o Palácio do Planalto (atingido à época por mais uma das incontáveis e graves denúncias de corrupção) e o Senado (presidido pelo “Índio” das planilhas da corrupção da Odebrecht) para que a aprovação relâmpago da reforma se concretizasse (sem alteração no texto original). Seu conteúdo buscava não só trazer mais clareza à aplicação da nova CLT – eliminando a “insegurança jurídica” e esclarecendo a aplicação das novas regras a todos os contratos de trabalho, antigos e novos –, mas também, ao menos em alguns pontos, remover poucos dispositivos bárbaros e fortemente impopulares do texto original. Dentre as modificações estavam: mudanças de jornada de trabalho para 12×36 apenas em Acordo Coletivo; afastamento de trabalhadora grávida que exerce atividades insalubres; imposição de “quarentena” para demissão de celetista e sua transformação em trabalhador intermitente; danos morais não por base no salário, mas nos benefícios do INSS, etc. Com o vencimento, tudo volta ao novo “normal” da reforma.
O fato de o governo federal não ter conseguido que a MP fosse aprovada em tempo hábil, indica uma nova correlação de forças no Congresso, expressando uma ainda maior fragmentação, em clima de “cada um por si” (buscando a reeleição) ou “salve-se quem puder” (para não ser preso). Este, que aprovou a reforma sem grandes dificuldades ano passado, entrou em ano eleitoral e carrega nas costas o serviço sujo de salvar, já por duas vezes, o governo Temer, apesar de sua impopularidade. Ou seja, pensa duas vezes em atender os anseios do Executivo. Essa nova correlação também ficou explícita no caso do naufrágio da reforma da previdência e está se desenhando no encalhar de outras pautas centrais do governo, como pacote de privatizações etc. Mesmo que a sede da burguesia pelo sangue do trabalhador não cesse, o seu balcão de negócios às vezes não aparece tão ágil quanto eles gostariam, dado que vira e mexe se envolve em guerras fratricidas.
Ao governo, no momento, resta o silêncio, um decreto[iv]ou fé em um momento pós-eleição. Até lá a “insegurança jurídica”[v]gerada pela situação, por si só, já conspira contra a utilização em larga escala e profundidade da reforma.
Logicamente, a “esquerda”, enfiada até os cabelos nas mesmas guerras fratricidas do eleitoralismo, e através da troca do Fora Temer pelo Lula Livre (principal mote das centrais sindicais deste 1º de maio![vi]), passa ao largo de aproveitar tal contradição. Aliás, a sua luta é pelo protagonismo na aplicação da reforma – pois vanguarda já foram, no caso do PPE de Dilma[vii](ver nossa análise aqui)! Não houve este ano nenhuma movimentação significativa por parte das Centrais Sindicais, movimentos e Partidos de “esquerda”, para resistência à reforma, repetindo em grau mais atrasado o cenário do fim do ano passado.
Alguns episódios locais, no entanto, merecem ser destacados. A luta dos trabalhadores, nesses casos, furou o imobilismo e oportunismo reinante no movimento sindical e devem ser estudados e estimulados.
Em Vinhedos-SP, os operários da multinacional Unilever resistiram no final de 2017 contra demissões em massa para terceirizados do setor de logística (apoiando-se na nova lei da terceirização). Foram 19 dias de greve, com intervenção judicial, violência policial e prisão de dirigentes sindicais. Não conseguiram reverter as demissões, que viraram um PDV[viii], mas responderam o ataque patronal à altura.
Responsável pelo segundo maior polo têxtil do país, Blumenau-SC e região também tem sido palco de resistência contra a reforma. Desde setembro de 2017 resistem contra retirada da cláusula da convenção coletiva que proíbe terceirização da produção. Como no caso de Vinhedos, terceirização é sinônimo de mais exploração, menor salário. A resistência está se dando com mobilizações e paralisações, sem a forma de greve. Os operários seguem firmes frente à constante ameaça patronal de invalidar toda a convenção, seguindo a nova CLT.[ix]
Em novembro de 2017, os trabalhadores da rede de supermercados Mundial, no Rio de Janeiro, paralisaram contra a “aplicação” da reforma, que, para eles, significou corte de horas extras fixas, descontos no contracheque e o fim do adicional de 100% nas horas trabalhadas em domingos e feriados (possível por um decreto de 2017[x]). A mobilização conseguiu arrancar o pagamento dos domingos.
Principais efeitos de curto prazo da reforma: questão sindical, justiça do trabalho e as condições de trabalho
Na verdade, a luta ferrenha do sindicalismo pelego foi pela continuação do imposto sindical compulsório por outros meios! Afinal, o meio mais comum daquele, o servilismo, não funcionou com Temer, que não viu nenhuma força política de fato nos “companheiros” que merecesse um favor seu.
E para afundar ainda mais sua nulidade política, os sindicatos e centrais tem recorrido à Justiça do Trabalho e até ao Ministério do Trabalho para ganhar sua mamata à custa do trabalhador. Com certo sucesso: em matéria publicada pela DIAP, vemos que “o Poder Judiciário tem dado respostas positivas ao movimento sindical na questão do desconto obrigatório da contribuição sindical”[xi]: são dezenas de decisões provisórias favoráveis à continuação da contribuição de forma compulsória. Além disso, sob o aplauso dos pelegos, o Ministério do Trabalho deu carta branca para a cobrança, desde que aprovada em assembleia geral[xii]- que em sua maioria são esvaziadas, ilegítimas e controladas pelos sindicatos.
No entanto, tudo indica que essa via possui vida curta com a subida nas instâncias da Justiça do Trabalho[xiii]- o que já vem acontecendo, mesmo com a saída do ultrarreacionário Ives Gandra Filho da presidência do TST. Um dos fatores que fortalecem essa tendência tem sido a fraca resistência jurídica prometida no pré-reforma, sobretudo via Anamatra e juristas progressistas. Em vez de chuva de decisões assumindo inconstitucionalidade da reforma[xiv], vemos é um recuo das ações na Justiça do Trabalho, seja por óbvio receio, ou pelas decisões absurdas que tem se espalhado pelo país – sobretudo pela gratuidade da justiça, que caiu por terra.
De acordo com dados do TST, o primeiro trimestre de 2018 teve uma queda de cerca de 50% das ações ajuizadas na Justiça do Trabalho, se comparado com o mesmo período do ano passado. Essa queda já afeta na série histórica[xv]de processos recebidos nesta Justiça, que entrou em trajetória decrescente (ainda a ver se se consolida com o completar do ano), como vemos no gráfico a seguir:
A diminuição da judicialização dos conflitos laborais é uma tendência que já havíamos apontado no texto anterior. Da mesma forma, afirmamos que a aplicação da lei não seria feita de forma imediata no chão da fábrica: seja porque a legislação é apenas um “parâmetro” para as reais relações de produção que se reproduzem cotidianamente, seja porque esta dependeria de estratégias de ramos empresariais e frações do capital, fora um tempo de adaptação[xvi]. Isso também tem se concretizado, e indo contra o desespero pequeno-burguês legalista que acreditava no amanhã pós-reforma apocalíptico.
Pelas datas-base ao redor do Brasil, o fim da ultratividade não vem sendo aplicado de forma cabal. As empresas, em várias categorias, têm utilizado mais do terrorismo de anular o Acordo Coletivo do que o praticando de fato – e quando o pratica, é apenas parcialmente[xvii]. Um exemplo claro foi a data-base dos Correios ano passado. Demissões em massa, terceirização ilimitada, comissão de empregados paralela, dentre outros pontos, também ainda não estão se alastrando como a lei permite – o que de forma alguma é motivo para se tornar otimista ou diminuir a gravidade da reforma. Afinal, essas mudanças dependem e se realizam numa luta de classes, que possuem níveis variados de resistência, a depender do ramo, região etc.
Se não devemos fazer coro com o reformismo, ao mostrar que a reforma também não reduziu o desemprego e nem reaqueceu a economia como o prometido (e por isso deveria haver uma reforma mais “eficaz” – ao capital), precisamos notar um aumento de trabalho precário (informal, temporário…) pós-reforma. Por si só o grande desemprego tende a realizar essa “renovação” do mercado de trabalho: os empregos pós-crise são piores. Mas não seria exagero dizer que a reforma trabalhista colaborou com isso, ao dar mais “segurança jurídica” às formas precárias de trabalho. Segundo outro texto do DIAP[xviii]:
A Reforma Trabalhista incluiu novas modalidades de contrato de trabalho como o intermitente e novas regras para o parcial […]. Segundo dados do Caged [em 2018], foram gerados 11.368 empregos nessa modalidade de trabalho, sendo 2.660 como intermitentes e 8.708 parciais. O trabalho por dia e o de regime parcial são exemplos de trabalhos precários que possibilitam a redução de direitos dos trabalhadores ao definir o salário baseado no dia de trabalho e, por conseguinte, direitos proporcionais.
Perspectivas
Apesar dos tropeços na consolidação da reforma por parte da burguesia e seu Estado, a tendência é que esta continue a colaborar com a destruição de conquistas do proletariado e demais trabalhadores no Brasil, cada vez mais. Isso caso se mantenha a hegemonia do oportunismo e reformismo no movimento sindical e operário, que nem de longe consegue impor uma resistência consequente ao novo marco legal da exploração da força de trabalho. Como indica a charge no início do texto, só a luta poderá derrotar a tesoura da burguesia, seja a nível local ou nacional. Ademais, a continuação da crise no Brasil pode ainda elevar o grau e violência da ofensiva burguesa. Sobre esse ponto em breve publicaremos uma análise mais detalhada.
Fonte: http://operamundi.uol.com.br/dialogosdosul/os-impactos-iniciais-dos-primeiros-seis-meses-da-reforma-trabalhista/01052018/#prettyPhoto