Embora, pela primeira vez, os negros sejam maioria no ensino superior público brasileiro, eles ainda são minoria nas posições de liderança no mercado de trabalho e entre os representantes políticos no Legislativo. Também são uma parte ínfima da magistratura brasileira.
Entre aqueles que não têm emprego ou estão subocupados, negros são a maior parte. Também são a maior parte entre as vítimas de homicídio e compõem mais de 60% da população carcerária do país. Negros também são sub-representados no cinema, sendo minoria entre os vencedores e os integrantes de júris de premiações.
No dia 20 de novembro se celebra o Dia da Consciência Negra. A data coincide com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, líder quilombola e um dos principais símbolos da luta negra no Brasil. Neste dia, a Lupa apresenta dados que mostram a desigualdade entre negros e não-negros no país.
Mercado de trabalho
Em 2018, os negros eram a maior parte da força de trabalho no Brasil – 54,9%. A proporção de pretos e pardos entre as pessoas desocupadas e subocupadas, porém, é muito maior. No ano passado, eles correspondiam a cerca de dois terços das pessoas que não tinham emprego – 64,2% – e das que trabalhavam menos horas do que gostariam ou poderiam – 66,1%. Os dados são do estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, do IBGE.
Os negros também são os que mais sofrem com a informalidade, que vem crescendo no Brasil nos últimos anos. Em 2018, 47,3% das pessoas ocupadas pretas ou pardas estavam em trabalhos informais, segundo o estudo do IBGE. Entre os brancos, o percentual de pessoas em ocupações informais era menor: 34,6%.
Uma pesquisa do Instituto Ethos mostrou que os negros ocupam apenas 4,9% das cadeiras nos Conselhos de Administração das 500 empresas de maior faturamento do Brasil. Entre os quadros executivos, eles são 4,7%. Na gerência, apenas 6,3% dos trabalhadores são negros.
Pretos e pardos são maioria no mercado de trabalho somente entre aprendizes e trainees – 57% e 58% dos trabalhadores, respectivamente.
Distribuição de renda
Os negros ganham menos no Brasil do que os brancos. Segundo o IBGE, o rendimento médio domiciliar per capita de pretos e pardos era de R$ 934 em 2018. No mesmo ano, os brancos ganhavam, em média, R$ 1.846 – quase o dobro.
Entre os 10% da população brasileira que têm os maiores rendimentos do país, só 27,7% são negros.
As taxas de pobreza e de pobreza extrema são maiores entre a população negra. Em 2018, 15,4% dos brancos viviam com menos de US$ 5,50 por dia no Brasil – valor adotado pelo Banco Mundial para indicar a linha de pobreza em economias médias, como a brasileira. Entre pretos e pardos, o percentual era maior: chegava a 32,9% da população.
A pobreza extrema – quando a pessoa vive com menos de US$ 1,90 por dia – atinge 8,8% da população negra no Brasil e 3,6% da população branca. Os dados são do IBGE.
Representatividade no poder
Pardos e pretos são minoria no Poder Legislativo, apesar de esta representação ser vital para a construção de debates e projetos que diminuam a desigualdade no Brasil. Negros são apenas 24,4% dos deputados federais e 28,9% dos deputados estaduais eleitos em 2018. Nas eleições municipais de 2016, eles eram 42,1% dos vereadores eleitos.
A diferença também aparece no Judiciário. Dados do Conselho Nacional de Justiça, mostram que havia 14,2% magistrados pardos e 1,4% magistrados pretos em 2013 – último ano com informações disponíveis. A imensa maioria dos magistrados são brancos (83,8%).
Nos Tribunais Superiores – Superior Tribunal de Justiça (STJ), Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal Superior do Trabalho (TST), Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Superior Tribunal Militar (STM) – os números são ainda menores: 1,3% se declaram pretos e 7,6%, pardos. Em toda a história, apenas três negros ocuparam uma cadeira no STF: os ministros Joaquim Barbosa, indicado em 2003 pelo ex-presidente Lula, Hermegenildo de Barros, nomeado em 1919 e aposentado em 1937, e Pedro Lessa, ministro entre 1907 e 1921.
Vítimas de violência
Negros são as maiores vítimas de homicídios no Brasil. Segundo o Atlas da Violência, em 2017, 75,5% das pessoas assassinadas no país eram pretas ou pardas – o equivalente a 49.524 vítimas. A chance de um jovem negro ser vítima de homicídio no Brasil é 2,5 vezes maior do que a de um jovem branco.
Em 10 anos – de 2007 a 2017 -, o Brasil se tornou um país com mais potencial de morte para negros do que para não-negros. A taxa de homicídios de negros cresceu 33,1% no período, enquanto a de brancos aumentou 3,3%. Ou seja, os negros são os que mais morrem e também são a população em que a taxa de mortes violentas mais cresce.
Entre todos os estados, o Rio Grande do Norte é o mais violento para os negros. Em 2017, a taxa de homicídios de pretos ou pardos foi de 87 a cada 100 mil habitantes. O índice, o mais alto do país, é superior ao dobro da média nacional – 43,1 negros mortos a cada 100 mil habitantes.
Negros também são maioria entre os que morrem em decorrência de ações de agentes de segurança do Estado. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, 74,5% das pessoas assassinadas em intervenção policial são pretas ou pardas.
Violência contra a mulher negra
As mulheres negras são vítimas mais recorrentes de homicídios. Segundo o Atlas da Violência, a taxa de assassinatos dessas mulheres cresceu 29,9% de 2007 a 2017. No mesmo período, o índice de homicídio de mulheres não-negras cresceu 4,5%.
As mulheres negras são o principal grupo de risco nos casos de feminicídio. Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019 mostram que 61% das mulheres que sofreram feminicídio no Brasil eram negras.
Sistema carcerário
Os negros são a maioria entre as pessoas presas no Brasil. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Atualização, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, aponta que 61,6% dos detidos no país eram pardos ou pretos em junho de 2017 (dados mais recentes disponíveis). Os brancos representavam 34,38% dos presos.
O levantamento mostra que a maior parte dos presos no Brasil são jovens, pretos ou pardos e com baixa escolaridade. Os crimes que mais levam a prisões são roubo e tráfico de drogas.
Analfabetismo
A taxa de analfabetismo entre negros de 15 anos ou mais diminuiu nos últimos anos – de 9,8% em 2016 para 9,1% em 2018. Ainda assim, é maior do que o dobro da taxa de analfabetismo entre brancos da mesma idade, que ficou em 3,9% no ano passado, segundo o IBGE.
De acordo com o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2018, organizado pela ONG Todos Pela Educação, a taxa de alfabetização que mais cresceu no período de 2012 a 2017 foi a de pretos. Em 2012, 87,7% deles estavam alfabetizados. Em 2017, a taxa subiu para 90,9%. Entre os pardos, o índice era de 88,1% em 2012 e passou a 90,6% em 2017.
A erradicação do analfabetismo é uma das metas estabelecidas pelo Brasil no Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece o ano de 2024 como limite para a conclusão do objetivo.
Educação Superior
Pela primeira vez, os negros são maioria no ensino superior público. Segundo o estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, do IBGE, em 2018, 50,3% dos estudantes das instituições públicas eram pretos ou pardos.
O número de pretos e pardos de 18 a 24 que estavam estudando também aumentou no ano passado, passando de 50,5% em 2016 para 55,6% em 2018. No entanto, ainda é menor do que o de estudantes brancos da mesma idade, que chegou a 78,8% em 2018.
De acordo com a Sinopse Estatística da Educação Superior de 2018, do Inep, a maioria dos negros que estão no ensino superior no Brasil estudam em universidades particulares. Naquele ano, dos 591 mil pretos que cursavam o ensino superior, 66,86% frequentavam instituições privadas. Entre os 2,4 milhões de pardos em instituições de ensino superior, 73,54% estavam em rede privada.
Cinema
No Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, os negros representam apenas 1.30% de todos os indicados ao prêmio de melhor direção, por exemplo. Em 15 anos da premiação, apenas uma pessoa negra ganhou a honraria nesta categoria – o cineasta Jeferson De com o filme Bróder (2009). Nos indicados de melhor roteiro original, 0,60% eram homens pardos e 1,3% eram homens pretos.
A desigualdade também aparece no júri, ou seja, nas pessoas que escolhem os ganhadores do prêmio. Neste grupo, 45,99% eram homens brancos, 43,79% eram mulheres brancas, 4.41% eram homens pretos, 4.41% eram mulheres pretas, 0,70% eram homens pardos e 0,70% eram mulheres pardas. Os dados são do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA).
Correção às 13h45 do dia 20 de novembro de 2019: Ao contrário do que foi dito anteriormente, os negros são maioria somente no ensino superior público, e não no ensino superior em geral.
Editado por: Chico Marés e Natália Leal
Fonte: Folha.Uol