Rediscutir o papel do sistema financeiro no processo de desenvolvimento não é tarefa simples, mas talvez seja hoje, o maior e mais importante desafio da sociedade brasileira e mundial.
Apesar do crescimento brasileiro observado a partir de 2003, os bancos tiveram uma contribuição pouco significativa no desenvolvimento econômico do país. Indicador inquestionável desta afirmação é a baixa participação do crédito no Produto Interno Bruto (PIB). Em países como os Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, a participação do crédito interno ao setor privado no PIB foi em 2008, segundo o Banco Mundial, de 190%, 211% e 108%, respectivamente, enquanto o Brasil atingiu 55,7%.
Nas últimas décadas, os bancos privados estiveram muito longe de sua função de fornecedor de crédito às famílias e aos segmentos produtivos. Concentraram suas atividades na esfera especulativa, principalmente na aplicação em títulos públicos, com alta rentabilidade e risco praticamente zero e nos financiamento de curto prazo a custos elevados, tanto em razão da elevada taxa básica de juros, quanto ao também elevado spread bancário. Como o setor é oligopolizado, não há concorrência via preço. Assim mesmo em um cenário de estabilidade econômica, inadimplência em queda , crescimento do emprego e da renda, medidas governamentais de liberação do compulsório, o spread bancário praticado no Brasil se mantém como um dos mais altos do mundo, atingindo o patamar de 34,9%, no último trimestre de 2008.
O crescimento sustentado da economia, base objetiva para um desenvolvimento sustentável, necessita de uma estrutura de financiamento de longo prazo. Nos últimos anos foi o sistema público, constituído pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal e os fundos públicos dos trabalhadores (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS e Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT) que financiaram o investimento no país.
Fruto deste contexto, segundo a agência de risco Austin Rating, em 2009, os oito principais bancos privados brasileiros tiveram um lucro líquido de R$ 23,174 bilhões, 24,1% superior ao lucro de 2008.
Neste sentido é preciso impulsionar o debate e negociação em torno do papel do sistema financeiro no Brasil, conforme já vem sendo proposto pela Confederação Nacional dos Bancários da CUT desde 1992 e pela Central Única dos Trabalhadores – CUT, uma vez que a ausência de uma regulação estatal adequada tem gerado ineficiência do sistema no tocante à promoção do desenvolvimento.
A Emenda Constitucional nº 40 de 2003, ao reformar a redação do artigo 192 da Constituição Federal dispôs sobre a regulamentação do artigo por lei complementar. Desde então o artigo 192 que trata sobre a regulamentação do sistema financeiro nacional está para ser regulamentado. Na ausência da lei complementar, as normas que regem o sistema financeiro nacional é a mesma desde 1964, apesar das mudanças que ocorreram na economia mundial e na economia brasileira.
O que se observa, no caso brasileiro é que no decorrer do tempo o sistema transforma-se numa estrutura oligopolizada a partir das mudanças econômicas que conduziram a uma forte concentração bancária, mas regulado por um arcabouço normativo de um tempo em que a estrutura financeira do país era completamente distinta da atual.
A lei 4.595/64 não assegura uma regulação adequada sobre uma estrutura voltada para a obtenção de ganhos especulativos em detrimento ao fomento das atividades produtivas.
O papel do Banco Central definido na legislação em vigor não atende mais a um modelo que se diferencia estruturalmente daquele existente em meados da década de 60. A introdução do regime de câmbio flutuante e de metas de inflação reservou um papel diferenciado ao Banco Central. Fortalece-se a idéia de que existe um viés inflacionário na economia e que o melhor resultado que se pode obter por meio da política monetária é a estabilidade de preços, razão pela qual esse deve ser o principal papel do Banco Central, que só é possível com um Banco Central autônomo das políticas de governo. O papel reservado ao Banco Central é de guardião da estabilidade do poder de compra da moeda.
Nesse cenário e com a perspectiva de um crescimento econômico sustentado para os próximos anos, é que ganha importância, a regulamentação do artigo 192 da Constituição Federal.
A Central Única dos Trabalhadores – CUT e sua Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro – CONTRAF que já experimentaram com sucesso a realização de negociações nos mais diversos campos: da política de valorização do salário mínimo ao crédito consignado, vem apresentando para a reflexão e negociação as seguintes diretrizes para a regulamentação do artigo 192 da Constituição Federal:
– A regulamentação deve ser geral e não de forma fatiada como propõe a emenda 40.
– Definir volume, custos e setores a serem atingidos por operações de crédito obrigatórias.
– Promover políticas de crédito direcionado com juros regulados a exemplo do SFH, que tem como funding a poupança
– Concessão de garantias de redesconto e assistência à liquidez de operações de crédito de segmentos a serem incentivados
– Criar regras para atuação dos bancos públicos e de sua relevância econômico social, considerando suas peculiaridades em relação ao setor privado.
– Regulação das instituições bancárias estrangeiras no país, subordinando-as aos objetivos nacionais, principalmente no que diz respeito a remessa de lucros para o exterior.
– Diminuição de barreiras à entrada que permitam aumento da concorrência no setor a partir da recriação e desenvolvimento dos bancos regionais e municipais.
– Regulação específica para os cartões de crédito abrangendo a compensação e as tarifas praticadas.
– Revisão dos processos de terceirização, horário de atendimento e da figura do correspondente bancário.
– Participação dos trabalhadores nos conselhos de administração de todas as instituições financeiras.
– Estabelecimento de regras concorrenciais que possam proteger efetivamente a sociedade e os trabalhadores no caso de fusão e aquisição.
– Regrar a remuneração dos altos executivos que tem incentivado a prática de operações cada vez mais complexas e arriscadas nos mercados de capitais.
– Criar regras que promovam o desenvolvimento do segmento de cooperativas de modo a que representem pelo menos 30% do Sistema Financeiro Nacional.
– Estabelecer uma menor independência do Banco Central com a ampliação do Conselho Monetário Nacional e diversificação dos objetivos macroeconômicos a serem perseguidos.
– Criação de uma ouvidoria.
– Definir metas para que a atuação do banco central conduza a política monetária para a geração de emprego e renda.
– Assegurar condições adequadas para a supervisão bancária.
Enfim, fazer com que os bancos contribuam para o desenvolvimento do consumo, produção e investimento, inclusive o de longo prazo, não é tarefa das mais fáceis no Brasil de hoje, mesmo porque significa discutir a rolagem da dívida interna. Mas, seguramente, se o país não enfrentar este desafio, dificilmente haverá crescimento econômico sustentado, pois a valorização por via da especulação será sempre mais vantajosa que por via da produção.
*Vagner Freitas é secretário de Administração e Finanças da CUT Nacional e ex-presidente da Contraf-CUT.
http://www.feteccn.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=10567&Itemid=1