O amplo acordo que o Comitê de Basileia de Supervisão Bancária (CBSB) anunciou na segunda-feira, na Suíça, sobre o endurecimento de capital mínimo dos bancos e padrões de liquidez e alavancagem, foi recebido ontem com um certo alívio nos mercados financeiros.
A percepção que predomina é que os 27 bancos centrais e autoridades supervisoras abrandaram as regras que tinham esboçado no fim de 2009, e que se submeteram à pressão do setor bancário ao sinalizar com a data de até 2018 para implementação da reforma.
Banqueiros centrais já previam, porém, após a reunião, que poderia haver "equívocos" de interpretações. Henrique Meirelles, presidente do BC brasileiro, avisou que era melhor esperar pelos percentuais de capital mínimo e liquidez, que devem ser decididos em setembro. Quanto maior o índice, maior o impacto sobre os bancos.
Inegável é que o Comitê de Basileia deu um enorme passo adiante para tentar prevenir futuras crises financeiras. Abrandadas ou atrasadas, as novas regras de capital e de liquidez, conhecidas como Acordo de Basileia 3, forçarão os bancos a tomar menos risco, ser melhor capitalizados, e a melhorar seus modelos de negócios para manter os níveis de rentabilidade.
Um bom exemplo do endurecimento das regras prudenciais é a criação, pela primeira vez em nível internacional, de uma barreira para o endividamento dos bancos. O futuro acordo de Basileia 3 estabelecerá que os bancos não poderão passar determinado limite de alavancagem, independentemente do risco de cada ativo.
A alavancagem do setor financeiro aumentou de maneira gigantesca desde meados dos anos 90. Essa alta alimentou um excesso generalizado de crédito nos últimos dez anos em vários paises, e expansão sem precedentes do endividamento do setor não financeiro da economia, que explodiu com a crise iniciada nos EUA.
No mês passado, em sua assembleia anual, o Banco Internacional de Compensações (BIS, espécie de banco dos bancos centrais), foi obrigado a advertir que, indiferente às lições da crise, muitas instituições e sistemas bancários continuavam a ter um nível de alavancagem importante e eram mantidos "artificialmente em vida".
Agora, ficou acertado no Comitê de Basileia a introdução do índice de alavancagem, que será de 3% a princípio, testado entre 2013 e 2017. Os bancos deverão começar a publicar sua alavancagem a partir de 2015, submetidos a regras que evitem manobra contábil. Em 2018 será definido o percentual final. Uma instituição com 3 de capital, só poderá ter até 100 de ativos. Na prática, significa que pode ter uma alavancagem de até 33 vezes seus ativos totais, o que parece enorme, mesmo comparado ao pré-crise. Mas o "pulo do gato" é que, antes, os bancos só levavam em conta as operações de balanço para calcular sua alavancagem. Agora, será tudo, incluindo equivalentes de ativos que estão fora do balanço e as operações de derivativos.
Por exemplo: o crédito que o banco concede no cheque especial a um cliente, mesmo se ele não o utilizou, terá impacto no cálculo. O mesmo acontecerá com uma carta de crédito de garantia, que o exportador precisa ter, de que o importador vai pagar pela mercadoria. Ainda que não seja usada, entra na medida do novo padrão de alavancagem. A exposição potencial futura nas operações com derivativos também entra.
Para as autoridades de regulação, tudo isso freará um excesso de risco. Mas a reação de banqueiros continua dura, reclamando por sua vez de excesso de restrições. Os bancos se queixam do padrão de alavancagem e de liquidez, de maior capital de base, dos colchões de capital, sempre ressalvando que querem "colaborar". Peter Sands, presidente do Standard Chartered, recentemente advertiu que os bancos não estão contra a reforma e apoiam "muita coisa" do Comitê de Basileia. "Mas há um preço para fazer o sistema bancário mais seguro e mais estável, e o preço será inevitavelmente suportado pela economia real", avisou.
Um termo que o Comitê de Basileia usou bastante, no anúncio do acordo, foi "calibragem", para indicar flexibilidades nacionais na aplicação das futuras regras. Os acordos de Basileia não são tratados formais e sim recomendações. A tendência, porém, é de aplicação geral. Mas Douglas Elliot, analista no Brookings Institution, em Washington, nota que nem sempre eles são inteiramente implementados nas normas nacionais. O maior exemplo vem dos EUA, que não tinham implementado sequer as revisões do Basileia 2 para os bancos comerciais, quando a crise financeira se propagou a partir de seu mercado.
A pressão sobre os bancos cresce, inclusive sobre o que os ministros de Finanças do G-20 já desistiram de fazer. É o caso de novas taxações sobre as instituições. O Instituto Internacional de Finanças, que faz o lobby dos bancos, aponta iniciativas de taxação na União Europeia, depois especificamente no Reino Unido, Alemanha, França, Suécia, Hungria e Áustria. E desconfia que o governo dos EUA planeja uma lei por uma "taxa de responsabilidade de crise financeira", para recuperar custos relacionados à crise, mesmo se a maioria dos bancos já tenha pago a ajuda recebida de Washington.